E fico neste estado catatónico,
telegráfico, estúpido, lacónico,
quando te vejo ou ouço a tua voz.
Bem queria que passasse este registo,
que, se é para ser isto sem ter isto,
melhor que te tomar é tomar pós
de frutos, contra enjoos, suculentos,
bons para a pele, na alma como unguentos
ou band-aids em chuva colante.
Mas em qualquer dos casos, o que resta
é: não te veja, ou veja (em curta festa):
a saudade: submersa e naufragante.
Não te posso ouvir mais, digo três vezes,
e com muito fervor e muitas preces,
como se esconjurasse Satanás.
Depois, uma palavra, um leve traço,
um minúsculo gesto abrindo o espaço
e, mesmo que não estejas, aqui estás.
E sentas-te ao meu lado na cadeira.
Ninguém te vê: só eu. A curva inteira
do pescoço, dos ombros, ou da mão.
Toco-te levemente e o vizinho
na mesa ao lado, espreita-me, de mansinho,
pensando que perdi toda a razão.
E devo ter perdido, se o real
me parece uma coisa desigual,
um band-aid barato, a descolar.
E a única coisa mais parecida
com o ser realmente é uma vida
que não posso, nem devo, acarinhar.
E até essa palavra lembra ti,
e a fractura começa por aí,
numa sintaxe que não sei rimar:
Não te posso ver mais. Não, não e não!
(E sai-me o verso assim, como vulcão
limitado a explodir dentro do mar.)
E agora, o quê? Pergunto-me, interrogo-me,
faço das linhas coração. E chovo-me:
miríade em band-aids, tão veloz:
é que fico na mesma catatónica,
meio estúpida, letárgica, lacónica,
se torno em verso, e minha, a tua voz.
[Ana Luísa Amaral]
telegráfico, estúpido, lacónico,
quando te vejo ou ouço a tua voz.
Bem queria que passasse este registo,
que, se é para ser isto sem ter isto,
melhor que te tomar é tomar pós
de frutos, contra enjoos, suculentos,
bons para a pele, na alma como unguentos
ou band-aids em chuva colante.
Mas em qualquer dos casos, o que resta
é: não te veja, ou veja (em curta festa):
a saudade: submersa e naufragante.
Não te posso ouvir mais, digo três vezes,
e com muito fervor e muitas preces,
como se esconjurasse Satanás.
Depois, uma palavra, um leve traço,
um minúsculo gesto abrindo o espaço
e, mesmo que não estejas, aqui estás.
E sentas-te ao meu lado na cadeira.
Ninguém te vê: só eu. A curva inteira
do pescoço, dos ombros, ou da mão.
Toco-te levemente e o vizinho
na mesa ao lado, espreita-me, de mansinho,
pensando que perdi toda a razão.
E devo ter perdido, se o real
me parece uma coisa desigual,
um band-aid barato, a descolar.
E a única coisa mais parecida
com o ser realmente é uma vida
que não posso, nem devo, acarinhar.
E até essa palavra lembra ti,
e a fractura começa por aí,
numa sintaxe que não sei rimar:
Não te posso ver mais. Não, não e não!
(E sai-me o verso assim, como vulcão
limitado a explodir dentro do mar.)
E agora, o quê? Pergunto-me, interrogo-me,
faço das linhas coração. E chovo-me:
miríade em band-aids, tão veloz:
é que fico na mesma catatónica,
meio estúpida, letárgica, lacónica,
se torno em verso, e minha, a tua voz.
[Ana Luísa Amaral]
^^
Um comentário:
sensivel suas palavras!
Abraço e sucesso!
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