Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, o que me falha ou finda, é como que um terraço sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio do que não está ao pé, livre do meu enleio, sério do que não é. Sentir, sinta quem lê! [Fernando Pessoa, in "Cancioneiro]

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sexta-feira, 20 de abril de 2012

Pássaros em Círculo


Atravessamos o jardim,
e, sob os nossos passos,
a neve estala como pão acabado de fazer.

Tudo tem a cor da palavra
que ainda não foi escrita.
É a hora.

Abraçados no meio do silêncio
parecemos dois anjos de barro.


Não importa se te digo «não voltes tarde a casa»,
da necessidade daquele que fica
não depende o reencontro.

Abro o gradeamento.
A sensação de perda gira dentro de mim
como um cão que ladra e que dá voltas
em redor de uma árvore.

Não importa se te digo para ficares.

A neve desnasce-se,
mostrando a fugacidade da beleza:
(amo-te porque sim, não para que o tempo
venha a ser mais benévolo comigo.)

O sol reconcilia-nos com a morte.

É a hora.
O relógio dos pássaros serve de tecto ao dia.




[Josep M. Rodríguez - A Caixa Negra]


^^

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