Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, o que me falha ou finda, é como que um terraço sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio do que não está ao pé, livre do meu enleio, sério do que não é. Sentir, sinta quem lê! [Fernando Pessoa, in "Cancioneiro]

Redes Sociais

https://www.facebook.com/danielle.manhaes --- Instagram: @danielle.manhaes @danielle.manhaes_psi

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O caminho é sempre um certo vazio


Para se fazer qualquer caminho foi preciso arrasar, destruir.
Assim, no caminho do tempo, poderíamos dizer que o caminho do tempo passa arrasando o ser: o ser enquanto tal, e o ser daquele pelo qual transita: o homem, enquanto o sabemos.

Mas se um caminho o é verdadeiramente, se cumpre a sua função mediadora, terá destruído apenas para criar uma relação diferente; uma relação possível e válida. Tratando-se do tempo, uma relação possível e válida quer dizer adequada ao ser humano para quem o caminho do tempo se abre.

O tempo constitui a possibilidade de viver humanamente; de viver. Já que o viver não é o mesmo que a vida. A vida é dada, mas é um dom que exige de quem a recebe o vivê-la, e ao homem de uma maneira especial.

Viver humanamente é uma acção e não um simples deixar-se deslizar pela vida. O homem tem de fazer a própria vida, ao contrário da planta e do animal que a encontram já feita e que só têm que deslizar por ela, do mesmo modo que um astro percorre a sua órbita - adormecido -, diz. É indubitável.

Mas, por outro lado, o deixar-se deslizar pela vida que se estende já feita, o percorrê-la do mesmo modo que um astro na sua órbita é, sem dúvida, qualquer coisa que o homem sempre se esforçou por conseguir. A órbita é representação e símbolo da ordem perfeita.

Viver descrevendo uma órbita é uma imagem ambivalente: infernal pelo que de movimento sem fim possui, pela falta de lugar próprio que significa. Imagem de um tempo vazio, sem princípio nem fim, de um tempo absolutizado; desprovido de transcendência. Mas se a órbita se descreve criando-a, dançando em roda, o que será sempre dança ainda que pareça só andar, então será a imagem da vida em estado puro, da vida bem-aventurada, obediente e livre ao mesmo tempo.

E assim parece que na vida, enquanto quem quer que seja, por afastado que esteja do astro, somente desliza, dorme e sonha, ao homem é-lhe exigido despertar. Há que despertar, ir despertando, o que significa ir despertando para o seu ser do sonho, despertar com ele.

Despertar no homem é despertar-se com o seu próprio ser na realidade e perante ela. A realidade que se apresenta de forma fragmentária e total, iniludível e relativa; chamando-o como o lugar de encontro com todos os outros homens. Porque a realidade é, em princípio, o lugar onde os seres se encontram porque aí se descobrem ao entrar. O lugar que põe, inexoravelmente, os seres a descoberto.

[María Zambrano]


^^

Um comentário:

Sônia Silvino (CRAZY ABOUT BLOGS) disse...

Não consigo ficar longe de você!!!
Vim matar as saudades!
Vou ficar esperando a sua visita!!!
Tenha uma ótima terça-feira!
Bjkas, muitas!
Sônia Silvino's Blogs
Vários temas e um só coração!