Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, o que me falha ou finda, é como que um terraço sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio do que não está ao pé, livre do meu enleio, sério do que não é. Sentir, sinta quem lê! [Fernando Pessoa, in "Cancioneiro]

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terça-feira, 4 de maio de 2010


Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa actual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que - em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém..

[Clarice Lispector]

^^

3 comentários:

Daniel Savio disse...

Bonito, mas pelo jeito, a flama é a raiva...

E a raiva nos guia para o fim.

Fique com Deus, menina xará Danni.
Um abraço.

silvioafonso disse...

.


Quando os teus seios se acham engolidos pelos meus olhos, se jogam em busca do vão da porta imaginária que os aprisionam como se fossem pássaro fujão.
Viro a cara, fecho o cenho, enrubesço, mas não tiro os olhos da paisagem que faz de mim o idiota de bom gosto, que pareço.

silvioafonso



.

Luna Sanchez disse...

Esses rasgos de lucidez é que nos fazem crescer.

=*

ℓυηα