Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, o que me falha ou finda, é como que um terraço sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio do que não está ao pé, livre do meu enleio, sério do que não é. Sentir, sinta quem lê! [Fernando Pessoa, in "Cancioneiro]

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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

«Um amor a contragosto»


Poderá andar-se metido num amor a contragosto? Claro que sim. Um amor a contragosto é um amor em relação ao qual o sujeito que o sofre sabe/palpita que está numa perspectiva catastrófica e que, em princípio, nada pode fazer para evitar a catástrofe, que esta o espera no fim de tudo e se prepara para o mastigar sem contemplações, reduzindo-o a cisco. «Reconquista-me!», diz o objecto desse amor a contragosto, entre mostrando-se e furtando-se logo de seguida. E o sofrente do amor a contragosto compraz-se (afinal com imenso gosto!) em esfalfar-se e em arruinar-se nessa descida aos inferninhos do amor infeliz.
Como se chega - e para quê- a uma situação destas? Por muitos caminhos e para muitos fins. Mas o que importa aqui dizer é que o amor a contragosto não é um amor partilhado. O sofrente nunca é igual a quem lhe inflige o sofrimento. É mais. Mais sentimento, mais tormento. «Mas que figurões!», dirão as rãs que, na circunstância, sempre se juntam para fazer coro. É que eles - o sofrente e o que faz sofrer - não sabem que estão, na sua luta (assalto e defesa), a dar-se em espectáculo aos que, de fora e ainda por cima isentos, assistem a essa terrível devoração afectiva. De um amor a contragosto dificilmente se sai. É como um vício arraigado, é como um redemoinho que puxa irresistivelmente para baixo. Talvez a única maneira, como ensinam certos nadadores experimentados em águas traiçoeiras, seja o sofrente deixar-se ir até ao fundo e aí, com um golpe rápido de braços e de pernas, sair do medonho vórtice. Então, poderá voltar à superfície, nadar para terra, sentar-se na areia e dizer: - Olha do que eu me safei! - O mundo recobrará cor e significado. Quem estiver na situação de sofrente, metido num amor a contragosto, pode treinar este processo de salvação. A Caparica não é longe...

[Alexandre O'neill - Uma coisa em forma de assim]


^^

8 comentários:

Nara disse...

E é fácil encontrar o fundo?

Anônimo disse...

Um amor a contragosto... ^^
Muito bom!
E muito lindo, ameiiii!

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

De Sintra à Caparica, não é longe...
Gostei do texto.

beijinhos
Sonhadora

Sandra Timm disse...

Que texto maravilhoso!

Quem nunca teve um amor a contragosto? Mesmo sabendo que o sofrimento é infinitamente maior, muitas vezes insistimos em tê-lo conosco.
"O sofrente nunca é igual a quem lhe inflige sofrimento. É mais. Mais sentimento, mais tormento,"

Que grande verdade!

Quantas vezes pus-me em amores a contragosto e só quem perdeu, fui eu!

Luna Sanchez disse...

Hummmmm

Mas nós somos coniventes com isso, né, flor? Se aconteceu, foi porque, de alguma forma, permitimos.

Beijo, beijo. Saudades de ti.

ℓυηα

Daniel Savio disse...

Mas menina, só existe este tipo de amor quando não há amor próprio, ou pelo menos ele é menor a este suposto amor...

Fique com Deus, menina xara Danni.
Um abraço.

Janinha disse...

Oi menina adorei a postagem...
M indentifikei...

Amor é amor...

Passa la as x bjins

Daiany Maia disse...

Danni,

Gostei tanto do texto ^^

O duro é que quando a gente olha, as águas parecem ótimas para se dar um mergulho...

Dai