Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, o que me falha ou finda, é como que um terraço sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio do que não está ao pé, livre do meu enleio, sério do que não é. Sentir, sinta quem lê! [Fernando Pessoa, in "Cancioneiro]

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domingo, 4 de outubro de 2009




Sobes à minha frente
a nudez dos pés tacteando os ruídos
do soalho antigo
no sótão o sol está a pôr-se
e tu vais estender-te longamente na colcha
com uma pequena chama ardendo sobre a púbis
mas agora sobes ainda
e os meus olhos de insecto seguem-te
enquanto nos seus milhares de lâminas
a luz dos teus joelhos se repercute
será que quando chegar junto de ti
já tudo se consumou?
Durará o dia mais uns instantes,
ou voarão as asas do desejo
para além das janelas, livres na noite?
Tu sobes sempre, e atrás de ti
os meus dois olhos assassinos.

[Vítor Oliveira Jorge, Os ardis da imagem]

^^

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