Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, o que me falha ou finda, é como que um terraço sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio do que não está ao pé, livre do meu enleio, sério do que não é. Sentir, sinta quem lê! [Fernando Pessoa, in "Cancioneiro]

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terça-feira, 22 de setembro de 2009

PREÂMBULO ÀS INSTRUÇÕES PARA DAR CORDA AO RELÓGIO

Pensa nisto: quando te oferecem um relógio, oferecem-te um pequeno inferno florido, uma prisão de rosas, um calabouço de ar. Não te dão somente o relógio, muitos parabéns, que te dure muitos e bons, é uma óptima marca, suíço com não sei quantos rubis, não te oferecem somente esse pequeno pedreiro que prenderás ao pulso e passeará contigo. Oferecem-te -- ignoram-no, é terrível ignorá-lo -- um novo bocado frágil e precário de ti mesmo, algo que é teu mas não é o teu corpo, que tens de prender ao teu corpo com uma correia, como um bracito desesperado pendente do pulso. Oferecem-te a necessidade de lhe dar corda todos os dias, a obrigação de dar corda para que continue a ser um relógio; oferecem-te a obsessão de ver as horas certas nas montras das joalharias, o sinal horário na rádio, o serviço telefónico. Oferecem-te o medo de o perder, de seres roubado, de que caia ao chão e se parta. Oferecem-te uma marca, a convicção de que é uma marca superior às outras, oferecem-te a tentação de comparares o teu com os outros relógios. Não te oferecem um relógio, és tu o oferecido, a ti oferecem para o nascimento do relógio.

INSTRUÇÕES PARA DAR CORDA AO RELÓGIO

Lá bem no fundo está a morte, mas não tenha medo. Segure o relógio com uma mão, com dois dedos na roda da corda, suavemente faça-a rodar. Um outro tempo começa, perdem as árvores as folhas, os barcos voam, como um leque enche-se o tempo de si mesmo, dele brotam o ar, a brisa da terra, a sombra de uma mulher, o perfume do pão.
Quer mais alguma coisa? Aperte-o ao pulso, deixe-o correr em liberdade, imite-o sôfrego. O medo enferruja as rodas, tudo o que se poderia alcançar e foi esquecido vai corroer as velas do relógio, gangrenando o frio sangue dos seus pequenos rubis. E lá bem no fundo está a morte, se não corrermos e chegarmos antes para compreender que já não interessa nada.

[Julio Cortázar]


^^

5 comentários:

Denise disse...

Há de se saber viver esse tempo que passa,as vezes rapido demais para olhos não observadores das coisas boas que acontece nele.

............................
Comentando o comentário:
Meu mais sincero agradecimento a você que esperou a tempestade passar em mim e intuio energias boas.

Meu bem querer

Denise

Luna Sanchez disse...

♪ "Batidas na porta da frente
É o tempo..." ♫

Conhece essa Dannizinha? Foi a que me veio à mente, ao ler o texto.

Beijo de quarta.

ℓυηα

Danielle Manhães disse...

Denise, não há o que agradecer. Energia positiva é o mínimo que posso oferecer devido a distância.
Bjs!

Luninha, agora eu boiei...rsrrs não conheço. É de quem essa música, flor?

Bjs!

=)

Luna Sanchez disse...

Trouxe o link pra ti, lindona :

http://www.youtube.com/watch?v=bIyXDoXKpNY&feature=related

Espero que goste. Eu aaaaaaamoooooo! ^^

Beijos, mais tarde eu volto pra ler os post's novos.

ℓυηα

Danielle Manhães disse...

Luninha meu anjo, vc é 10!

Eu aaaaamo essa música! É linda!
Só que eu não me lembrei de jeito nenhum...
Essa música foi tema de abertura da mini-série "Hilda Furacão"
Valeu miguxa!

Bjs!

=)