Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, o que me falha ou finda, é como que um terraço sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio do que não está ao pé, livre do meu enleio, sério do que não é. Sentir, sinta quem lê! [Fernando Pessoa, in "Cancioneiro]

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domingo, 13 de setembro de 2009


Cada dia tenho menos uma letra,
uma boca e a mão para a dizer.
Fui colhendo a noite, palavras surdas,
o silêncio que a morte continua
sob a pele da madrugada.
Cada dia tenho menos um coração,
menos uma noite. Resta-me a memória
de abril dentro um copo de esquecimento,
o fundo da liberdade
que alguém bebeu de nós:
a canção morena da alegria,
o cravo ao rubro de fundir a paz.
Menos uma boca, uma criança
alada. Menos uma cidade onde a esperança
se cola ao rosto. Os meus passos presos
ao chão são menos o olhar que a manhã
oferece. Mas era uma vez e aconteceu
um dia, em todos os outros desse dia,
por muito tempo e ainda agora:
acordar, pôr o café na chávena
e barrar o pão com a liberdade.

[Rosa Alice Branco]

^^

Um comentário:

. disse...

''Cada dia tenho menos uma letra,
uma boca e a mão para a dizer''
são palavras que me assustam, porque letras se somam as palavras,
e não podem diminuir,letras formam lindos poemas...

é bom fuçar na alma e encontrá-las novamente...


lindo poema Danni

beijos abstratos