Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, o que me falha ou finda, é como que um terraço sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio do que não está ao pé, livre do meu enleio, sério do que não é. Sentir, sinta quem lê! [Fernando Pessoa, in "Cancioneiro]

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sexta-feira, 28 de agosto de 2009

(...)



Vem buscar-me as mãos a noite já aceitou a minha tristeza
tenho esta sede como um delírio na duna frágil do cansaço

Atravessa o livro que deixei aberto no chão (o último poema)
que eu tenho frio e não sei se encontro asas para regressar

Preciso da tua retina aguada da tua estrela tão deslumbrada
do pontão atravessando a reluzente volúpia dos segredos
da sinceridade com que falas às cinzas azuis dos sonhos

A noite entrou no meu orvalho e bebeu a vida que restava
que mais posso eu guardar em minha boca que não arda?
que cintura delicada que fulguração que volúvel lucidez
me cerca agora que todo o imponderável infinito é tranquilo?

Traz-me os aluviões do teu estuário vem buscar-me agora
sentiste o meu grito? Venceu o olvido vazio que nos separa?

Sê tu a água que me desata o olhar a mão que me acorda
um beijo flutuando com esta música no trapézio da manhã

[Daniel Gonçalves, Dez anos de solidão]

^^

Um comentário:

Luna Sanchez disse...

"Retina aguada", "estrela deslumbrada"...

Bonito, principalmente por conta da simplicidade.

ℓυηα