Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, o que me falha ou finda, é como que um terraço sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio do que não está ao pé, livre do meu enleio, sério do que não é. Sentir, sinta quem lê! [Fernando Pessoa, in "Cancioneiro]

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quarta-feira, 24 de junho de 2009

Caminhos do Espelho




I
E sobretudo olhar com inocência. Como se nada se passasse, o que é certo.

II
Mas a ti quero olhar-te até estares longe do meu medo, como um pássaro no limite afiado da noite.

III
Como uma menina de giz cor-de-rosa num muro muito velho subitamente esbatida pela chuva.

IV
Como quando se abre uma flor e revela o coração que não tem.

V
Todos os gestos do meu corpo e voz para fazer de mim a oferenda, o ramo que o vento abandona no umbral.

VI
Cobre a memória da tua cara com a máscara daquela que serás e afugenta a menina que foste.

VII
A nossa noite dispersou-se com a neblina. É a estação dos alimentos frios.

VIII
E a sede, a minha memória é da sede, eu em baixo, no fundo, no poço, bebia, recordo.

IX
Cair como um animal ferido no lugar de hipotéticas revelações.

X
Como quem não quer a coisa. Nenhuma coisa. Boca cosida. Pálpebras cosidas. Esqueci-me. Dentro o vento. Tudo fechado e o vento dentro.

XI
Sob o negro sol do silêncio douravam-se as palavras.

XII
Mas o silêncio é certo. Por isso escrevo. Estou só e escrevo. Não, não estou só. Há alguém aqui que treme.

XIII
Ainda que diga sol e lua e estrelas refiro-me a coisas que me acontecem.
E o que desejava eu?
Desejava um silêncio perfeito.
Por isso falo.

XIV
A noite parece um grito de lobo.

XV
Delícia de perder-se na imagem pressentida. Levantei-me do meu cadáver, fui à procura de quem sou. Peregrina, avancei em direcção àquela que dorme num país ao vento.

XVI
A minha queda sem fim na minha queda sem fim onde ninguém me esperava pois ao descobrir quem me esperava outra não vi senão a mim mesma.

XVII
Algo caía no silêncio. A minha última palavra foi eu embora me referisse à aurora luminosa.

XVIII
Flores amarelas constelam um círculo de terra azul. A água treme cheia de vento.

XIX
Deslumbramento do dia, pássaros amarelos na manhã. Uma mão desata as trevas, arrasta a cabeleira da afogada que não cessa de passar pelo espelho. Voltar à memória do corpo, hei-de regressar aos meus ossos de luto, hei-de compreender o que a minha voz diz.


[Alejandra Pizarnik]
^^

4 comentários:

xacal disse...

Edição de vidas...

Adiante a fita...
Para...
Pausa...
Rebobina...

Onde está aquela cena,
Que a gente se encontra...?
Não fomos felizes para sempre,
É verdade...
Mas fomos sempre felizes...!


25/06/09...hora: agora...!



Cara Danni, desculpe a intromissão nesse seu espaço...só passei para dizer: oi...!

Um abraço do xacal...

Danielle Manhães disse...

Olá Xacal,

Seja Sempre bem vindo nesse espaço... sinta-se em casa.

Bjs!

=)

Camilla Angelo disse...

visita meu blog tbm!!!
Bjokas

Danielle Manhães disse...

Claro Camila, eu visitarei.

Bjs!

=)