"Às vezes era assim: adormecias com um pássaro nos ombros e na garganta. Eras, então, a árvore e o ninho, o canto do pássaro. E eras também, por isso, uma dessas aves a que chamam canoras e trazias acordada no ouvido. E eras, também por isso, um búzio, um búzio com asas. Agora, desta varanda recuada onde te despes para colher o sol da tarde, já não se ouve o mar, e o vento que nele se deitava e agora se dilata já não encrespa as águas nem faz vibrar os tímpanos do sono. O pássaro que trazias nos ouvidos cedeu a garganta a outras vozes. Do ninho, restam apenas algumas penas envergonhadas pela ave de silêncio que ali morou por um tempo. Que só por um tempo é madrugada, só por um tempo é primavera, só por um tempo as aves cantam. E a árvore, agora só pede às raízes que por um tempo a sustentem ainda. Mas ninguém sabe quando um raio explode e transforma o tronco e as raízes em estátuas ou em bolas de sabão. Quer dizer: nas tábuas envernizadas dum colchão que alguém por nós encomendou e onde uma noite nos deitamos vestidos, preparados para a cerimônia a que preside um deus qualquer a que arrancaram os olhos e selaram a boca. Cerimônia a que, sem remorso, apenas uma vez assistiremos. Um deus sem olhos e sem boca, disseste. Acrescentarás: e sem nome. Que as máscaras são o rosto do vazio, e o vazio não se diz, a ausência não se nomeia."
[Albano Martins]
"Mais cedo ou mais tarde o silêncio virá
perguntar por ti."
.
[Albano Martins]
[Albano Martins]
^^
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