"Que farias do meu corpo, se despido das palavras? Que farias?, se eu apenas o bê a bá no presente do indicativo, sem um futuro do subjuntivo ou um pretérito mais que perfeito?
Que farias do meu corpo, se eu só fome e cio e sede, despojada de lirismos, de interjeições e figuras de estilo, sem o abrigo nuclear das coordenadas copulativas? Que farias?, se eu só cabelos e pele e pêlos, sem qualquer erudição?
Que farias do meu corpo, das varizes que despontam, das sardas e dos sinais, da celulite escondida? Sim, que farias?, se eu quase analfabeta, ignorante e simplória, se a minha escolaridade pouco mais que a obrigatória? Se a linguagem, de carroceiro e as frases, às três pancadas; se eu nada de aforismos, silogismos ou significados?
Que farias do meu corpo, se despido das palavras? Se eu nua à tua frente, despojada, oferecida, toda instinto animal, toda líquidos que escorressem, músculos que te apertassem, sons cavos que mal se ouvissem?
Que farias com o meu cheiro?, demasiado acre, demasiado doce?, e com a violência obscena da minha presença física a ocupar-te a largura da cama e a tua visão periférica? Que farias, se esse ecrã não mediasse com diplomacia as negociações entre nós?, e se eu e tu frente-a-frente acordássemos por fim fronteiras ou a transposição delas? Se eu sem dedos nem jeito, muda, disléxica, desarticulada, nada escrevesse, nada dissesse?
Que farias do meu corpo, se soubesses que esta não sou eu e que tu és tu só por acaso, pois quando não minto, roubo, e que aquilo a que atribuis tanta beleza é a cópia da cópia de um copiraite?
Que farias do meu corpo se as palavras não fossem minhas mas tuas, apenas? Encaixar-te-ias nele como te encaixas nas entrelinhas do que escrevo? Servir-te-ia eu também como uma luva?"
^^
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