Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, o que me falha ou finda, é como que um terraço sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio do que não está ao pé, livre do meu enleio, sério do que não é. Sentir, sinta quem lê! [Fernando Pessoa, in "Cancioneiro]

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sábado, 4 de janeiro de 2014

Uns pozinhos de perlim pim-pim



Não sei se é deste tempo, descolorido e monótono, com o Sol a persistir no castigo da sua ausência, mas dei por mim, pensativo, acompanhado apenas pela voz de Nat King Cole.

Seria melhor não ouvir tais músicas. Se fosse mais prudente teria colocado, no cd, uma etiqueta, de um encarnado bem vivo, com o aviso “Altamente perigoso, requer muita precaução no uso”.
Distraído, como sou, falhou essa prudência e agora estou por aqui completamente fascinado, a sonhar estrelas e amores.

Perante a falta de um Sol que alumie tenho que me contentar, entre tristes suspiros, com um ténue e alvidúlcido luar. Este, a espaços, vai rasgando a escuridão de uma noite, que, cada vez mais, se vai tornando sombria e friorenta.

Como eu gostava de o convencer a voltar. Se pudesse, dizia-lhe que se deixasse de castigos injustos. Juntos inventávamos um plano. Seria tudo muito bem pensado. Falávamos com o Inverno. Lembrávamos-lhe que ao longo de todo este tempo nunca faltou sequer um ano ao serviço e que estava mais que na altura de finalmente ter o seu merecido repouso.

Depois era a vez de acordar o Verão. Dizíamos que era uma emergência. Que o Inverno inexplicavelmente havia desaparecido, sem dar notícias, e que alguém tinha que tomar o seu lugar.

A Primavera, sempre preocupada com a sua beleza, não podia porque assim teria que trabalhar dois turnos seguidos. Já o Outono, entre pedidos de desculpa, lembrou que os dias lhe vão pesando e que, se assim fosse, a sua performance certamente ficaria afectada…

Ai, como seria tudo tão fácil se ele quisesse... Bastavam apenas uns pozinhos de perlim pim-pim, alguma loucura e, claro está, uma boa dose de imaginação.
E o sonho, esse deixava de o ser…



[JFDourado – Uns pozinhos de perlim pim-pim – 08/12/2006]


^^

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Simples assim...



Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade. 


 [Martha Medeiros]



^^

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

domingo, 29 de dezembro de 2013

De olhos Fechados



Trago no olhar visões extraordinárias, de coisas que abracei de olhos fechados... 


 [Florbela Espanca]


^^

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Seu Nome



De repente ouvi teu nome. E quase que imediatamente te procurei a minha volta. Não te encontrei, mas me dei conta de que eu estava sorrindo.


 [Querido John] 


^^

sábado, 21 de dezembro de 2013

De Novo



Eu quero desaprender para aprender de novo. Raspar as tintas com que me pintaram. Desencaixotar emoções, recuperar sentidos.


[Rubem Alves]



^^

sábado, 7 de dezembro de 2013

Ossos



Os ossos dos pássaros mortos como relíquias de santos: usá-los-ia a todos se com isso achasse encontrar boa sorte. E se me perguntassem que ossos seriam aqueles que levaria ao peito, diria que são dos santos mais poluentes desta terra onde já não moram só gaivotas. 

Mas não lhes conheço milagres: notícias de pássaros que curem vagabundos de cegueira, diabetes ou simples bebedeira. O seu propósito, destituído e substituído pelo quedar do olhar sobre o alcatrão; toda a mortalidade ali, e ainda assim a cegueira sem cura, que por não serem bichos religiosos não sabem abençoar os olhos aos que passam; nem ouvir deus recitando horários e mandamentos às rotinas. Acho que todos devíamos levar salmos nos bolsos, coisas de fácil digestão nos intervalos entre os subterrâneos. 

Só à face das pedras os pombos revelam o seu lado mais secreto, por lhes conhecerem a natureza perversa com que provocam acidentes aos que as atravessam no inverno. 

Desconfio dos pássaros por só os encontrar mortos. Tão pobremente mortos que nem sepultura, só os veios estreitos entre as pedras de granito até que se somem debaixo das solas dos sapatos ou na terra que dá às pedras a ilusão da unidade. Nisso lembram-me pessoas. 

Divido-as por ordem poética: se uma elegia é uma gaivota à sombra, imaginando ser um abutre em áfrica, um soneto é um canário enclausurado numa gaiola demasiadamente espaçosa para a fome do gato, e uma redondilha é um pardal de pata partida encontrando conforto nas mãos de uma criança que, sem querer, o asfixia enquanto corre para o ir mostrar à sua mãe. 

Os pássaros, como a poesia e como as pessoas, só servem para mostrar que a morte habita cada rua. E eu usaria um colar de ossos de finas asas, onde se gravassem os poemas de que mais gosto, se achasse que isso serviria para mudar a minha sorte de velório. 


 [Beatriz Hierro Lopes]


^^

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Restauração



Risquei o último fósforo
e estou agora vazia,
não esperando sequer
o deserto. Posso de novo
sublinhar os livros
sem pensar noutros olhos,
numa vontade que não coincida;
como quem se despe
de portas abertas, luzes acesas,
buracos na roupa,
indiferente ao desejo
de vizinhos e espelhos.

Sou finalmente o único fantasma
da minha vida inteira.


[Inês Dias]


^^

domingo, 1 de dezembro de 2013

Um quarto com janela



De há muito que conheço este abatimento que ofereço à minha sensibilidade e que não desejo substituir por algo mais confortante por me parecer ser a forma ideal da perturbação, prescindo do consolo e olho certas manifestações de prazer como espectros que tentam tomar o lugar do pleno. Durante longo tempo não podia cuidar deste abatimento, sentia o seu poder de exibir a minha negatividade mais perfeita num interior que eu tentava calafetar com gestos tendentes aos lugares comuns da vida. Era quando vivia em dormitórios aquecidos e à noite me submetia às actividades anodinamente partilhadas. Não éramos propensos a qualquer ideal, positivo ou negativo. Sujeitávamos as perturbações a uma análise de sensatez e algum afecto aturdido. Era uma obrigatoriedade esse afecto sem condão, moeda nocturna trocada para nos unir num sono em que os pesadelos eram depois narrados com desenvoltura e morbidez, para que não se atentasse às formas gráceis do mal. Só hoje, com um quarto só para mim, tenho um espaço onde não tenho que me entregar a qualquer actividade lúdica ou laboral antes de dormir, a nenhuma acção que preencha de sentidos valorativos o tempo que resta para a morte. Neste espaço que é meu posso zelar pelo que não tende à significação partilhável, pelo puro negativismo que macera deixando apenas uma sensação de impotência que não me vejo na iminência de superar. Um quarto onde entra a luz e com ela o mundo, único túmulo onde não tenho que enterrar o que já nasce abafado. 


[Catarina Costa]


^^