Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, o que me falha ou finda, é como que um terraço sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio do que não está ao pé, livre do meu enleio, sério do que não é. Sentir, sinta quem lê! [Fernando Pessoa, in "Cancioneiro]

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terça-feira, 5 de julho de 2011

Requiem para Pier Paolo Pasolini*



Eu pouco sei de ti mas este crime torna a morte ainda mais insuportável. Era novembro, devia fazer frio, mas tu já nem o ar sentias, o próprio sexo que sempre fora fonte agora apunhalado.
Um poeta, mesmo solar como tu, na terra é pouca coisa: uma navalha, o rumor de abril podem matá-lo - amanhece, os primeiros autocarros já passaram, as fábricas abrem os portões, os jornais anunciam greves, repressão, dois mortos na primeira página, o sangue apodrece ou brilhará ao sol, se o sol vier, no meio das ervas.
O assassino, esse seguirá dia após dia a insultar o amargo coração da vida; no tribunal insinuará que respondera apenas a uma agressão (moral) com outra agressão, como se alguém ignorasse, excepto claro os meretíssimos juízes, que as putas desta espécie confundem moral com o próprio cu.
O roubo chega e sobra excelentíssimos senhores como móbil de um crime que os fascistas, e não só os de Salò, não se importariam de assinar.
Seja qual for a razão, e muitas há que o Capital a Igreja e a Polícia de mãos dadas estão sempre prontos a justificar, Pier Paolo Pasolini está morto.



A farsa, a nojenta farsa, essa continua.


[Eugénio de Andrade]

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