Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, o que me falha ou finda, é como que um terraço sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio do que não está ao pé, livre do meu enleio, sério do que não é. Sentir, sinta quem lê! [Fernando Pessoa, in "Cancioneiro]

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quinta-feira, 7 de janeiro de 2010


Se tantas pessoas dão a entender que vivem sem sonhos, é porque talvez haja um lugar, dentro de nós, onde eles se guardam, sem que se dê por isso. Não sei onde fica, reconheço. E, às vezes, intriga-me que o seu caminho e o nosso pareçam desencontrados. Imagino-o como uma longa despensa, mais ou menos esconsa (e fresca), de luz acolhedora, mas sem o bulício de uma praça de gente atarefada, onde se atropela quem esbraceja, fervilhante, e quem, do alto de uma janela, espreita, sereno, a vida lá em baixo. Em todas as pessoas, por mais que não pareça, há uma despensa de sonhos. Alguns, que depois de sonhados, se foram guardando, mais ou menos amarrotados e por escovar. Outros que lá foram parar embrulhados no papel colorido com que pousaram em nós, de surpresa. Posso estar enganado, mas acho - com convicção - que o mundo seria um lugar melhor (e mais bonito) se as pessoas se perdessem na despensa dos seus sonhos. pelo menos, de vez em quando.

Suponho que sempre que não podemos dizer, com simplicidade, abraça-me e não me perguntes porquê, há uma parte de nós que se esgueira para a despensa dos sonhos. E por lá fica, num já não sei se sei sentir. É aí que, sem ser fácil de entender, uma tristeza nos revolve, devagarinho. Não tanto pela dor com que magoa, mas pela vida de que nos separa (deixando que a rotina se desmazele nos sonhos e vá convencendo a vida a deixar de trocar mimos connosco).

Não sei se o grande privilégio dos sonhos será o de nos antecipar o futuro. Na verdade, imagino que eles sirvam para deixar que ele aconteça. Quanto mais preciosas são as pessoas que estão na primeira fila do nosso coração mais se tornam, perigosamente, abandonantes. Esperamos tanto que elas vão sempre um pouco mais à frente dos nossos sonhos que - quase sem querer - podem levá-los do júbilo para um canto, esquecido, na despensa dos sonhos. Quem não compreende um olhar nunca entenderá uma longa explicação. E será por isso, acho eu, que - depois de confiados à despensa - escasseiam as pessoas junto de quem os sonhos se possam confessar, dando vida ao seu desejo de serem nossos, outra vez (com a inocência, discreta de uma ave que encontra, em pleno voo, as suas asas). Na verdade, precisamos de ter quem olhe por nós para cuidarmos dos sonhos (com a audácia de quem, ao guardá-los num livro, altera - sempre que queira - a forma como ele acaba só para nós).

O mais enigmático dos sonhos não passa por viverem guardados numa despensa. Mas por só descobrirmos que ela existe quando alguém, abraçando-nos sem perguntar porquê, os descobre e os solta. E, dessa forma, nos sossega quando mostra que o grande privilégio dos sonhos não passa por antecipar o futuro mas por deixar que ele aconteça.

[Eduardo Sá]

^^

4 comentários:

Daniel Savio disse...

Se bem que entendi, mesmo que nós não queremos admitir, há uma parte de nós que sonhe...

Mas imagino que este sonhos seja feitos nos nosso corações (principalmente)...

Fique com Deus, menina xará Danni.
Um abraço.

Mariah disse...

ironia constatar porém que, os melhores momentos acontecem...justamente quando os olhos estão fechados.

Luna Sanchez disse...

Ah, os sonhos colorem a vida! ^^

Beijos, Dannizinha.

ℓυηα

wcastanheira disse...

Um belo texto, enigmático, instigante, adoro este tipo de leitura, faz pensar, não vem prontinha, gopstrei mto, pra vc bjos, bjos, bjosss